Patrimônio cultural: fragmentos, somas, construções e distopias
Nas últimas décadas muito tem sido escrito sobre a importância do patrimônio. Uma das abordagens mais recorrentes é a de que o patrimônio é um campo interdisciplinar. Muitas ações também têm sido protagonizadas pela sociedade reivindicando as narrativas oficiais de forma a desafiarem o campo oficial do patrimônio a partir de outras identidades, memórias e territórios. Contudo, uma análise mais detida dos discursos e das práticas aponta para um descolamento no que tange à interdisciplinaridade desejada. O patrimônio como um campo interdisciplinar necessita de aproximações com a História, a Arquitetura e o Urbanismo, a Sociologia, a Geografia, a Antropologia, a Arqueologia e outras áreas afins, uma vez que faz parte da dinâmica das pesquisas e ações de preservação uma convivência de saberes e práticas.
Desde as décadas de 1960 e 1970, movimentos sociais por direito à cidade, memória e meio ambiente protagonizam reivindicações que tomaram o patrimônio como meio para preservação de seus direitos. Também desde os anos 1970, tanto as resoluções e cartas patrimoniais, quanto diversos estudos trouxeram novas categorias à baila, que foram mobilizadas para afirmar este caráter interdisciplinar e contribuir com uma ampliação do conceito de patrimônio, como, por exemplo, Patrimônio Ambiental Urbano, Referências Culturais, Paisagem Cultural, Paisagem Histórica Urbana, Significância Cultural e Inventários Participativos. Ao final da década de 1980 a Constituição Federal afirmou o patrimônio cultural como composto pelo que diferentes grupos sociais associam como parte de suas memórias, identidades e ações.
No entanto, a interdisciplinaridade e as trocas de diferentes noções e ações de preservação entre órgãos de patrimônio e entidades da sociedade civil não ocorre de forma tão efetiva, por diversos motivos. Na atual conjuntura quase distópica da sociedade em que assistimos a sucessivos enfraquecimentos dos órgãos de preservação brasileiros, questiona-se se seria utópico acreditar na inter e transdisciplinaridade como caminhos para construções e representações mais abrangentes sobre o patrimônio. Quais são as fronteiras disciplinares? Os mundos estanques continuam evidentes na prática preservacionista? Como articular uma efetiva participação de agentes da sociedade civil nas decisões oficiais de preservação? De que forma as ações de preservação e as pesquisas no campo patrimonial podem contribuir para a quebra dessas fronteiras para que o patrimônio possa ser, efetivamente, uma construção coletiva?
Em consonância com a proposta deste Congresso, será organizado um Fórum para elaboração de uma Resolução Nacional ou uma Norma Técnica Brasileira de Mapa de Danos, com foco nos processos de conservação, manutenção e restauro do patrimônio construído. Tendo como base a normativa italiana, o Manual de Conservação Preventiva do IPHAN e a NBR 5674/99 intitulada “Manutenção de edificações - Procedimentos”, se organizará uma normativa através da elaboração de painéis com apresentação de projetos de restauro, com detalhamento do mapa de danos.
Os resultados das reflexões e discussões podem contribuir para a revisão da Convenção do Patrimônio Mundial que já está sendo realizada no âmbito da Unesco, bem como para subsidiar revisões de ações de conselhos de preservação, entidades culturais e formações acadêmicas. Desta maneira, o CICOP - São Paulo, 2021, estrutura-se a partir desta chamada de trabalhos, procurando receber contribuições que permitam ver, entender e discutir:
Linhas temáticas
LT 01- Fragmentos
Fragmentos:parte de um todo ou fração, algo que se quebrou ou rasgou. Idealizamos essa linha para experiências, pesquisas e estudos de casos que incidam luz, questionem e problematizem as fronteiras no campo do patrimônio cultural. As fronteiras disciplinares, territoriais, sociais, políticas e simbólicas como impeditivos ou dificultadores das ações de preservação de bens e manifestações culturais. As experiências individuais, exitosas ou frustradas, de restauro e preservação cultural em municípios do Brasil e os entraves técnicos e legais nas ações de Conselhos e Órgãos Municipais de Preservação. Os conflitos jurídicos, éticos e estéticos da preservação. As dificuldades encontradas por coletivos independentes em prol da preservação de seus patrimônios e suas relações com os órgãos de preservação.
LT 02- Somas
Nesta linha temática são bem vindos trabalhos, estudos de caso, experiências e pesquisas que apresentem e discutam projetos, programas, iniciativas, atividades e metodologias que foram efetivamente trans/multi/interdisciplinares. Propostas de resolução de problemas preservacionistas, envolvendo órgãos públicos, academia, entidades sem fins lucrativos e sociedade civil organizada. Ações coletivas e/ou conjuntas de educação patrimonial, inventários, registros, divulgação e identificação de bens e manifestações culturais diversas.
LT 03- Construções
Em construções aguardamos reflexões que apresentem novos enfoques sobre categorias analíticas do campo do patrimônio ou que tragam novos olhares, categorias e abordagens sobre conceitos e categorias de natureza interdisciplinares (Paisagem Histórica Urbana, Paisagem Cultural, Patrimônio Ambiental Urbano, Patrimônio Industrial, Referências Culturais, Significância Cultural, Ambiente Urbano). A trajetória dos agentes preservacionistas no Brasil. Atividades pioneiras ou mesmo recentes de instituições e/ou ações independentes de salvaguarda de elementos de cultura material (arquivos, museus, bibliotecas e centros de memória).
LT 04- Distopias
Este eixo temático tão atual e contemporâneo, esperamos trabalhos que reflitam sobre diferentes realidades projetadas para o patrimônio. Proposição de novas categorias, novas formas de compreensão e interpretações. Discussões que gravitam em torno das atuais adversidades, como o fracasso preservacionista em face dos regimes totalitários. As preocupações com a mobilização do patrimônio cultural como ferramenta discursiva não-inclusiva. Os patrimônios e memórias difíceis. O patrimônio cultural e sua preservação no mundo dos dados e no contexto digital. As suas representações em suportes diversos: do livro à gravura; da reminiscência ao mundo digital.